quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

António Cruz - ( 1907-1982)

Ouvi falar deste pintor pela primeira vez quando frequentava a Paleta, o atelier onde aprendi a pintar. A senhora que dirigia o espaço era ela própria pintora de aguarelas, embora sem qualquer espécie de curso, pintava por intuição e sabia manejar o óleo com grande arte, tendo inúmeras obras espalhadas pelo atelier, à venda ou só para serem vistas e decorar as salas. Foi uma pessoa que muito me influenciou e incentivou a pintar. Inclusivé, ofereceu-me uma aguarela de que gosto muito.
Perdia-a de vista quando o marido faleceu e ela resolveu fechar a Paleta para grande desgosto meu. Encontrei-a no outro dia, aqui na rua, por acaso e soube que está a frequentar a Universidade Católica, o que considero um acto de coragem para uma pessoa já de certa idade. O seu talento bem merece qualquer apoio.

Hoje, depois de almoçar com o meu ex-, passei num alfarrabista que estava a saldar livros vários. Apontei para um livro do centenário de António Cruz, um aguarelista fabuloso, desconhecido de muitos connaisseurs de Arte, filho do Porto e um artista excepcional, reconhecido já tarde. A capa era indescritível, uma aguarela em tons de azuis sugerindo o Douro e a cidade.
O livro era caro, mas estava com 50% e o meu ex- ofereceu-mo. Sâo prendas destas, inesperadas que eu adoro!
Tenho estado a ler e a folhear a obra de A. Cruz e pasmo como é que pintores como este passam quase despercebidos em vida. Têm de lutar muito para seguir a sua veia artística e nem sempre lhes reconhecem talento.
São muitas as vozes sonoras que falam dele neste livro, mas não muitos os que verdadeiramente o apoiaram, organizando exposições ou convidando-o para concursos de pintura.Era uma pessoa modesta, singular, introvertida, com uma enorme família ( cinco filhos), que hoje nos surpreende com a sua capacidade para captar e pintar a cidade do Porto, aquilo que se vê e sobretudo, o que nos escapa.
. Estas aguarelas falam por si.

Diz António Cruz:

Adoro o nevoeiro. Das quatro estações do ano, a que me fala,
a que me dá vida interior, um entusiasmo enorme pela vida
é o Inverno!
E agora como se explica isto? Os indivíduos que são de
temperamento nórdico só se querem ver dentro do nevoeiro,
só querem e adoram
a chuva, a chuva miudinha ou a bruma. O Inverno é a minha estação.
É no Inverno que eu sinto a minha felicidade.
A humidade nos rebocos das construções exacerba as cores.
Esse rosa-venise, o ocre dourado e todas as cores, até o branco,
ganham esta patine, está aqui, está a ver esta parede, isto é uma
pintura, é um quadro, nem precisa de moldura...
Sabe que o Porto é uma cidade para pintores.


Manoel de Oliveira dedicou-lhe um pequeno documentário em 1956: O Pintor e a Cidade, que vos deixo aqui: