quinta-feira, 10 de novembro de 2011

As criadas

Não, não é a peça de Jean Genêt, nem se trata de nenhum filme português passado em Moçambique, mas poderia muito bem retratar os nossos anos 50-60 em Portugal, ressalvando pequenas diferenças.
Espero não chocar ninguém com este post, mas escrevo-o apenas e tão somente pelo que vivi e senti ao ver este filme, considerado pelos críticos como digno de 1 estrela e pelo publico de 4. Eu ficaria pelas 3, quanto ao tema, mas daria 5 pelas interpretações.

O tema é já bastante conhecido, tratei-o inúmeras vezes nas aulas, usando filme como Malcolm X, Glory, Away from Heaven, etc.
Em geral o racismo ou descriminação nos filmes era mais focado nos meios masculinos do que nas casas, onde as mulheres exerciam o poder, sobretudo a seguir à 2ª GG. As mulheres tinham filhos em barda - foi o baby boom ( tb eu sou fruto desse boom!!), viviam em casa, não trabalhavam fora, pois os homens ocupavam os empregos locais.
Eram muito fúteis, tinham sido educadas com todos os privilégios e amimadas, sobretudo, pelas criadas negras, que funcionavam como mães, confidentes, amigas e até enfermeiras. Até ao dia em que as meninas se casavam e se tornavam patroas.

Ainda me lembro de termos "criadas" em casa, dado que o meu Pai ganhava bem, éramos oito filhos e a casa enorme. A criada de meninos, de quem ficámos amigas até ela casar e, mesmo muitos anos depois disso, entrou para nossa casa em 1949, teria eu tres anos e só saiu quando eu tinha uns 10. Foi uma pessoa insubstituível na nossa vida, para lá de muitas outras raparigas novinhas que passaram pela nossa casa. Era com elas que nós nos abríamos quando tinhamos querelas e o seu sorriso ficará para sempre na minha memória. A minha mãe geria a casa e ajudava muito meu Pai em tudo, mas é claro que não sobrava muito tempo para estar connosco pessoalmente. Nunca a achei fútil, era uma pessoa intelectualmente superior e que nos transmitia tranquilidade e Paz. Mas não era pessoa para falar de coisas muito íntimas, penso que por pudor ou timidez...
Neste filme as criadas são negras, estamos no estado do Mississipi, baluarte da colonizaçao, ainda com resquícios de escravatura que, entretanto tinha sido abolida, mas acabava por existir de facto, dada a dependência e a ausência de direitos civis dos negros em geral.
As criadas negras eram, por vezes, maltratadas mentalmente, humilhadas constantemente, exploradas e responsabilizadas pelos mais ínfimos actos, que hoje seriam mais que justificados. As meninas que um dia se tinham abraçado a elas a chorar tornavam-se donas e senhoras fúteis e déspotas depois de casarem, com o destino das serviçais nas mãos.

O tema do filme é feminino, mal se vêem homens este filme, mas pode ser interessante
também para eles. É claro que tem clichés e vícios americanos, mas retrata um período importante e as personagens são credíveis e comoventes. Aquela sociedade existiu....basta ler e ver o "Gone with the Wind",
um dos livros e filmes mais espantosos que já li na vida.

Hoje em dia, já ninguém poderia tratar empregadas deste modo ( a não ser nas telenovelas rascas da TVI ou da Globo). Um longo percurso permitiu a emancipação das mulheres e a liberdade dos negros. Mas, ainda há muitas arestas a limar, sobretudo nestes tempos conturbados em que arranjar emprego , mesmo mal remunerado, é quase uma dádiva de Deus.