Gosto de dias cinzentos.
Hoje ameaça chuva, mas ainda não vi gotas de água.
Lembrei-me de ir rever algumas fotos a preto e branco e a cores tiradas em dias
cinzentos e encontrei umas que fiz há meses num dia em que saí de autocarro na Cordoaria - praça de que gosto muito junto aos Clérigos - e chovia bastante.
Apesar disso, andei por ali com a máquina e as fotos ficaram muito românticas, muito Porto...resolvi pô-las aqui hoje, Sábado de Páscoa, dia que nada me diz, dia morto, dia cinzento... Bach coaduna-se bem com estas fotos. Um Andante lindo do Concerto Brandeburguês nº 2.
Um quadro acabado ontem e intitulado : Sexta Feira Santa
Um poema de Manuel António PIna:
A Poesia Vai Acabar
A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
— Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? —
Manuel António Pina, in "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde"
e o Agnus Dei da Missa em B-minor de Bach pelo maravilhoso contratenor Andreas Scholl:
Era uma tarde religiosa. Muito mais importante do que a 6ª ou o sábado. Nela se celebrava a Ultima Ceia e a Paixão de Cristo. Assisti a muitas celebrações na igreja dos Jerónimos, a minha paróquia, cantei no coro lá em cima e cá em baixo, ouvia ler as Escrituras, emocionava-me com as palavras de Jesus e sobretudo com o seu sofrimento. Vibrava com a liturgia como se eu própria vivesse nesse tempo. Fui sempre sensível à doutrina de Jesus e na faculdade segui a cadeira de História do Cristianismo, apaixonante e muito bem dirigida pelo P. Honorato Rosa, uma pessoa que me marcou e que infelizmente, faleceu ainda eu andava na faculdade. Ao ver os Manuscritos do Mar Morto em Jerusalém, lembrei-me do entusiasmo com que ele falava de tudo isso e como nos empolgava a nós também. Fiquei a conhecer muito melhor as raízes do Cristianismo e o background em que tudo se desenrolou.
Paradoxalmente estar em Jerusalem, no Jardim das oliveiras, em Nazaré, na Galileia, onde tomei banho de mar, no Mar Morto, ver o deserto e os Montes Golan não me entusiasmou tanto como esperava.
Gostei mais de Petra na Jordânia, que nada tem a ver com os cristãos.
Hoje choca-me um pouco a indiferença das pessoas pela Semana Santa. Parece que só serve para a diversão, férias, e futilidades como as amêndoas e o desgraçado pão de ló. Não sou praticante, mas a tradição é bela.
Fica aqui parte do Requiem de Mozart, uma das mais tristes árias que ele à beira da morte, ditou ao seu escrivão, segundo conta o filme Amadeus.
Já me estou a habituar a dormir em duas fases....das 3 as 7 e depois das 8 as 11. Nunca consigo estar oito horas seguidas na cama, sofro de insónia permanente.
A manhã está luminosa, clara, as árvores cada vez mais cheias, parece que nunca perderam a folha, os áceres rendilhados em fundo azul quedam-se impávidos perante a poluição dos autocarros, que continuam a deslizar rua abaixo a grande velocidade. Estes são movidos a gaz natural, talvez não poluam tanto, a verdade é que as folhas continuam a brotar todos os anos, como se a natureza tivesse uma força sobrenatural a explodir dentro dela.
Se fosse uma pessoa com coragem, saía agora e ia passear para as margens do Douro. É uma das coisas que mais gostaria de fazer,ver o nascer do sol no rio, tirar fotos; é dos cenários mais lindos aqui do Porto. Mas não, levantei-me durante demasiados anos às 7 - desde os meus 10 anos até aos 60 non-stop - e cansei-me. Já só quero sopas e descanso...dormir...sem obrigações...e música...
Aqui fica mais uma bela peça sacra: Stabat Mater de Vivaldi. Penso nas mães que vêem os filhos a sofrer. Deve ser a experiência mais dolorosa que alguém jamais viveu. Estou com elas, enquanto oiço esta música maravilhosa.
Esta semana estou mesmo virada para a pintura....e para o meu projecto do secundário, que me anda a entusiasmar cada vez mais. É fantástico sentir que não perdi pedalada e que quanto mais envelheço, mais ideias e menos vontade tenho de seguir os canons habituais. A net com toda a multiplicidade de recursos é um mundo novo, sinto-me como se estivesse numa enorme biblioteca com tudo à mão, sem necessidade de copiar nada , com um clique tipo varinha mágica os textos aparecem, as fotografias acontecem, tudo é feito através do laptop, sem dicionários, sem gramáticas ou livros a consultar. Apagar o que se fez é rápido, transformar os exercícios dum momento para o outro também, juntar secções, acrescentar paraágrafos, usar efeitos, diagramas, tabelas, etc. é tudo tão simples e acessível, quase um jogo. Também constato que o meu inglês está cada vez mais rebuscado e melhor, dado o contacto constante com a língua em Facebooks, blogues, jornais, sites, etc. A vida é bela....não há crise por aqui. As minhas colaboradoras andam muito ocupadas e não acompanham esta veia assim tão bem, mas há que ter calma e não querer que tudo se faça num abrir e fechar de olhos.
Entretanto fiz este quadro em MDF, mas não sei se o vou manter assim. Gosto dele por vezes, mas há outras em que não....
Há quem já esteja a trabalhar...ouvem-se os autocarros para cima e para baixo, sinal de que é 2ª feira, dia de trabalho, numa semana que deveria ser Santa ( dedicada a Deus:)
Há quanto tempo não vivo a Páscoa dum modo cristão, como dantes!
Na minha adolescência, ia todos os dias da semana santa à missa nos Jerónimos, lia a Paixão nos Evangelhos, meu livro de cabeceira, comoviam-me as palavras de Jesus e até a atitude de Pedro, o apóstolo que o renegou. Para mim, tudo o que lia se tornava vivo, como se dum documentário se tratasse.
Sempre acreditei em Cristo e na sua mensagem, considero-o um Homem especial, como Gandhi, Mahomé e outros que deram e continuarão a dar a vida pela Fé.
Há muito que não acredito em Deus, como é representado pela Igreja.
Deve ser bom acreditar e lutar por aquilo em que se acredita.
Só acredito no Homem e na sua capacidade para fazer o Bem e o Mal, muitas vezes escolhendo o caminho mais fácil. Não acredito na Redenção após a morte. Se vier , será uma surpresa. Acredito que podemos lutar por um mundo melhor, criando o Bem à nossa volta, mas também penso em mim e na minha felicidade. Sou egoísta.
Na ausencia de prática religiosa, dedico-me a ouvir a música mais inspiradora desta época sacra.Enche-me de Paz e serenidade.
Fica aqui uma das Árias mais belas da Paixão Segundo S. Mateus de Bach, uma obra que me faria acreditar em Deus, se Ele existisse.