Quando tinha para aí sete anos, os meus Pais resolveram fazer para nós a assinatura do Cavaleiro Andante, uma das primeiras revistas de quadradinhos ( B.D.) que surgiu em Portugal acuplada ao Diário de Notícias ao sábado de manhã. Todos nós tínhamos aulas nesses dias, mas antes de partirmos para a escola, já o rapaz dos jornais tinha deixado o dito cujo na caixa do correio e era ver quem chegava primeiro para apanhar o Cavaleiro Andante e lê-lo em 1ª mão.
A ansiedade era enorme, chegávamos a lê-lo a duas e duas no carro para podermos saber mais depressa o que acontecera a Michel Vaillant , piloto de corridas, a Blake e Mortimer, perseguidos pela terrível Marca Amarela, ao Flash Gordon ou ao nosso querido reporter Tintin, que se metia em aventuras mirabolantes sempre acompanhado da sua cadelinha Milou, uma prestimosa ajuda na caça aos malfeitores.
A página do Tintin era a última, a contracapa, e terminava sempre dum modo abrupto, de modo a criar suspense nos leitores...
Muitos sábados nos sorriam através do Cavaleiro Andante. Looking forward era real. Nós ansiávamos mais pela revistinha do que por um bolo ou uma boa nota na escola. E até em família se discutiam as histórias, como hoje as pessoas discutem a telenovela. O Cavaleiro Andante, por apresentar muita banda desenhada estrangeira acabava por nos abrir os horizontes e levar para países como a América, o Tibete, o Perú, a França ou a China. Aprendíamos lendas dos Templários ( que me assustavam um pouco), biografias de cientistas, histórias de inventos e ríamos com as agruras dos Dupont et Dupond, detectives ridículos, que nada de jeito faziam. E diria mesmo mais, eram umas autênticas nulidades!
Hoje fui ver o badalado filme Tintin - O Segredo do Unicornio de Steven Spielberg.
Queria ter gostado muito do filme. Ansiava por um filme de desenhos animados empolgante, mas belo. Queria mais do nosso Tintin que morreu com Hergé e nunca mais será o mesmo, tinha esperança que Spielberg tivesse conseguido ressuscitá-lo para gáudio do meus netos, do meu filho e meu, quando de óculos no nariz, começámos a ver a apresentação fabulosa do filme em 3D.
Infelizmente a pouco e pouco, o entusiasmo arrefeceu. Estávamos perante um Indiana Jones 2, afinal, um explorador em busca do passado e do tesouro dos Haddocks, com cenas de luta épica a bordo dum navio, de um avião, num cenário de ópera ou numa cidade marroquina...só "porrada" com efeitos especiais fenomenais, que nunca existiram nas histórias doces e cândidas e nos desenhos simples do genial Hergé. Nada da subtileza dos diálogos, da ironia e do humor das cenas caseiras no Chateau de Moulinsart, nenhuma referencia a personagens como Tournesol, Oliveira da Figueira ou outros.Spielberg já deu o que tinha a dar, nunca fui fã dos seus filmes e muito menos de Indiana Jones, mesmo que isso possa escandalizar muita gente. Transformar Tintin em caça tesouros é um atentado ao nosso imaginário, à nossa infância e juventude.
Pergunto-me: O que acharáo os meus netos da colecção de 20 albuns que o Avô coleccionou e que eu encapei em plástico para não se estragarem, quando ele lhos der para a mão? Será que os lerão com a mesma ansiedade e abertura de espírito que era a nossa...ou acharão que é mais do mesmo e, em resumo,uma seca?
UM CRIME OITOCENTISTA
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