Sempre tive uma ternura especial pela Casa da Música.
Ao princípio até considerava quase magia, como é que um meteorito tinha aterrado naquela praça tão familiar para mim e continha tanto encanto.
Ouvir música ao vivo era quase uma memória do passado, embora tenha apoiado e ido a muitos concertos da antiga Regie Symphonie, no tempo em que eles tocavam em S. Bento da Vitória ou esporadicamente na Igreja da Lapa. Dei-me com vários músicos estrangeiros da orquestra e assisti ao seu último concerto na Foz Velha, antes de se tornarem Orquestra do Porto. Dava aulas de Inglês na Escola Profissional de Música, que durou poucos anos, e lá conheci alguns desses músicos, num ambiente fraternal e extremamente raro aqui no Porto. Uma das flautistas, australiana, foi professora e amiga do meu filho mais velho e ainda hoje ele visita-a na Bélgica, onde ela vive.
A Casa da Música deve ter parecido àqueles excelentesinstrumentistas uma dádiva caída do Céu, pois estavam habituados a tocar em locais diversos, sem ter uma sala condizente com a sua categoria.
Nunca esquecerei o primeiro concerto que ouvi na CdM. Tocaram a Sinfonia nº 2 de Mahler - Ressureição - com o Coro Gulbenkian e solistas excelentes. Comovi-me tanto com o evento que quando saí, telefonei ao meu filho que estava em Munique e desfiz-me em lágrimas de alegria. Tínhamos uma sala de concertos, linda de morrer, com 1400 lugares, uma acústica excepcional, bilhetes acessíveis, salas topo de gama e uma orquestra razoável. Tudo novo para mim.
Mal eu sabia que ali iria ouvir o pianista mais brilhante deste tempo, Grigory Sokolov, considerado o maior pianista vivo por muitos melómanos. Ouvi-o há dois anos e ouvi-o ontem, de novo, num concerto memorável que terminou com 7 encores, qual deles mais vibrante e sentido.
Sokolov não é deste mundo, quando se senta ao piano, inclinado sobre as teclas, o mundo pára, o siêncio é absoluto e só se ouvem os sons multifacetados em catadupa, numa harmonia quase divina.
Era capaz de o ouvir durante uma noite inteira, o concerto durou três horas aproximadamente...e ninguém queria arredar pé, embora fosse Domingo e houvesse trabalho no dia seguinte. Rameau, Mozart, Brahms - tudo peças que desconhecia numa perfeição total.
Saí de lá mais rica e feliz, o meu filho também. Aprecio todos os momentos assim com ele, há uma grande cumplicidade entre nós. A música clássica sempre foi o elo mais forte que nos une.
Ficam aqui duas peças tocadas por este extra-terrestre musical, uma em recital, outra com orquestra. Os seus dedos não se apoiam nas teclas, flutuam...e o som sai por milagre.