sexta-feira, 10 de agosto de 2012

As papoilas

São flores do campo, simples , leves, à menor brisa as suas pétalas dum vermelho vivo agitam-se e dobram-se quais meninas num atelier de ballet. O coração é negro e o pé muito verde e muito fino, embora forte, cravejado de penugem que não pica, só afaga.



Adoro papoilas desde a minha infância. Tínhamos-las aos montes em redor da nossa casa nos terrenos baldios, que ninguém esperava se tornassem jardins um dia.
Saltávamos o muro baixo da nossa casa e estávamos no oeste.

Eram pedregulhos, espigas, cardos, urtigas, mil e uma flores silvestres, sapos, lagartixas, bichos de conta, joaninhas....essas agarrávamo-las e metíamos em caixinhas de fósforos.

Joaninhas e papoilas, todas elas vermelhas e negras, graciosas e perenes na nossa infância despreocupada. O cheiro ficáva-nos nas mãos durante horas.

Um dia aprendemos a fazer meninas com as papoilas, dobrávamos as saias para baixo e com o caule apertávamos a cintura, deixando o corpete verde do lado de cima.
Imaginávamos que seriam duma escola, em que o uniforme era todo vermelho - um pouco como o nosso do QES - sempre brincámos muito às escolinhas, fossem elas de papel, de cartão ou de papoilas! Ser professora já me estava na massa do sangue.

Entretanto um amigo meu enviou-me estas fotos de papoilas, malmequeres e joaninhas....agradeço-lhe do fundo do coração pois por alguns minutos voltei a sentir o cheiro a lavado do campo em flor.

Ontem e hoje fiz mais um quadrinho em homenagem às papoilas....um campo cheio de elas....a perder de vista...quem me dera estar ali...naquele momento da minha infância feliz.




E aqui fica uma canção a propósito:




Ai noite de Lua
Meu lume de arder
O finas areias
O clara manha
O rubras papoilas
Da cor da roma
O rosto da terra
E abismos do mar
Ouvide o seu canto
De longe a arfar
Abriram-se as velas
Mal rompe a manha
Na luz e nas trevas
Lá vai a louça
Da morte zombando
Na aurora lunar
Num jardim suspenso
Do seu folgar





Zeca Afonso