Este poema lembra-me os anos de escola primária em que ninguém deixava de ler Augusto Gil, decorar tudo e, simultaneamente, de se condoer com a sorte das crianças que sofrem as agruras do frio.
Hoje resolvi pintar o inverno, a paisagem fria e agreste, com tanto de belo como de misterioso. Foi a guache e pastel.
Vai o poema também a lembrar esses velhos tempos.
Batem leve, levemente
Como quem chama por mim.
Será chuva, será gente?
Gente não é certamente
E a chuva não bate assim.
É talvez a ventania
Mas ainda há poucochinho
Nem uma agulha bulia
Na quieta melancolia dos pinheiros do caminho.
Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.
Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria...
Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!
Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho...
Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança...
E descalcinhos, doridos...
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!...
Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...
E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
. e cai no meu coração.
Augusto Gil