sexta-feira, 30 de abril de 2010

Cores em movimento - Somewhere over the rainbow


As árvores como os livros têm folhas
e margens lisas ou recortadas,
e capas (isto é copas) e capítulos
de flores e letras de oiro nas lombadas.

E são histórias de reis, histórias de fadas,
as mais fantásticas aventuras,
que se podem ler nas suas páginas,
no pecíolo, no limbo, nas nervuras.

As florestas são imensas bibliotecas,
e até há florestas especializadas,
com faias, bétulas e um letreiro
a dizer: «Floresta das zonas temperadas».

É evidente que não podes plantar
no teu quarto, plátanos ou azinheiras.
Para começar a construir uma biblioteca,
basta um vaso de sardinheiras.

Jorge Sousa Braga



Ontem foi um dia feliz para mim. E penso poder dizer para muitos dos que me rodearam e deram apoio numa festa em que o centro era ARTES.
Várias pessoas ligadas ao Espaço Vivacidade, entre as quais uma senhora pintora já famosa, colegas da Utopia, Amigos e Família estiveram presentes na sessão de encerramento da Exposição.

Preparei uns caderninhos com as fotografias das pinturas e dos poemas que iriam ser lidos e na Vivacidade, a infatigável Helda, a quem agradeço muito em especial, organizou um Powerpoint, em que cada slide correspondia a uma das pinturas, com registo do nome e do poema que se iria ler. Formalmente estava tudo preparado. Mas houve grande espontaneidade durante a sessão porque todo o discurso, o meu, sobretudo foi improvisado. A Adelaide começou por me fazer uma pergunta que não esperava: Como é que interrelaciona a pintura com a poesia?
Tudo o que disse me veio à mente na altura e agora já não seria possível repeti-lo com as mesmas ideias e palavras. Liguei a música ao poema, o poema à imagem e a imagem à pintura, que é como, em geral, olho para as Artes.
Ao escolher os poemas fi-lo criteriosamente, mas houve uns que talvez tenham ficado mais intrinsecamente ligados aos quadros, de tal modo que neste momento , quando penso no quadro, me vem logo o poema à mente. Acontece isso com os poemas da minha Amiga Regina Gouveia, cujos poemas são excelentes, não me canso de o afirmar. Também associei alguns do meu irmão Mário, que são duma simplicidade desarmante, e nos surpreendem - e muito - no final.

O mais belo da festa foi o meu neto. A sua presença, sentado á frente, pernas a baloiçar, poemas na mão, o soletrar cuidadoso - com 6 anos, está a aprender a ler e ainda há letras que desconhece - a sua insistência em ler em voz alta o poema Tudo é Poesia de Gedeão, a interpretação das peças no violino no final, sozinho ou acompanhado com a Mãe, comoveram-me tanto que as lágrimas me vieram aos olhos e o mesmo aconteceu com várias pessoas na sala. Obrigada, meu neto lindo!

Ficam aqui algumas das pinturas e poemas lidos. A Vida é muito Bela! Somewhere over the rainbow....



Contemplo o lago mudo
Que uma brisa estremece. Não sei se suspenso em tudo
Ou se tudo me esquece.

O lago nada me diz,
Não sinto a brisa mexê-lo
Não sei se sou feliz
Nem se desejo sê-lo.

Trémulos vincos risonhos
Na água adormecida.
Porque fiz eu dos sonhos
A minha única vida?

Ricardo Reis

A Chama
Dançava a chama voluptuosa
espalhando em redor um tom vermelho-rosa
As achas ardiam na lareira
e a criança batendo as palmas, rindo,
dizia "lindo, lindo"
apontando a fogueira.

Era uma chama voluptuosa
e ao mesmo tempo etérea,
tudo por causa do plasma,
o quarto estado da matéria.

No plasma, com seus núcleos e iões
em estranhas convulsões electrões davam saltos quânticos.

Era a energia
que assim se emitia
em passos de dança, sensuais, românticos,

A criança que, batendo as palmas, rindo,
dizia "lindo, lindo",
adormeceu sorrindo.

E então a louca chama, pressentindo
que a criança já estava dormindo,
deu em esmorecer, foi-se extinguindo.

Regina Gouveia

Boletim metereológico


Sol posto
magenta, azul
cheiro a mosto
cheiro a Sul
vejo o teu rosto
na rosa dos ventos
sinto o teu gosto
na ponta do tempo


céu aberto, céu azul
Sol nascente
magenta, doirado
estou no presente
e vivo o passado
solto um lamento
redondo, fechado
Ah!, ilusão
de te ter a meu lado
céu cinzento, céu nublado.


Mário Cordeiro

Infinito

O que é o infinito?
Será um estado de alma
num dia de muita calma,
em que o ar fica parado
de tão sereno e tão quente?

Será um oito deitado
dos que vêm nas sebentas,
nos compêndios, nos opúsculos,
ou serão as tardes lentas
que precedem os crepúsculos?

Ou será o quociente
em toda e qualquer divisão,
sem indeterminação,
em que zero é o divisor?

Ou será um grande amor?
Ou será a imensa dor
sentida ao perder alguém?

Ou será a imensidão
do Universo em expansão?

Ou será mesmo o Além?
Será a suprema alegria
de ver um filho nascer?

Será talvez a magia
de ver a vida crescer?

O que é o infinito?
Talvez seja aquele grito
que eu tento a custo suster.


Regina Gouveia