Depois duma curta brincadeira no pátio da minha casa com a nova coqueluche dos miúdos - os populares Bey-Blades, espécie de piões que giram dentro duma pista tipo alguidar e travam lutas entre si até um parar, voltei a casa e sintonizei o BRAVA HD, novo canal de Musica Clássica.
Maravilha. KISSIN no seu melhor. Mais velho, com a cabeleira ainda mais alta ( tipo toucado do Nicolau Tolentino, lembram-se?), todo vestido de branco, com o seu "blackitie", tocando o primeiro concerto de Beethoven, o mais mozartiano dos seus concertos, mas já com muita da garra beethoveniana.
Sentimento, subtileza e clareza, mas não a magia do meu querido Sokolov. Este menino bonito, que foi considerado um génio em criança, já não nos faz parar como dantes. Reconheço-lhe talento, quem sou eu , afinal , para pôr em causa a sua genialidade? As notas saem alegres, vivaças, ritmadas, mas não tão leves como eu desejaria. Também pode acontecer que isso se deva à gravação, que, na TV nunca é tão boa.
Este concerto é electrizante, duma jovialidade excepcional, faz-me lembrar alguns de Saint-Saens, com leitmotifs pujantes, sopros intervenientes, contracenando com o piano, numa troca de mimos vibrante.
O meu neto entrou hoje num concurso de piano em Vila Praia de Ancora e ganhou o prémio de interpretação, o que me orgulha muito. Não é um Kissin, a sua especialidade é o violino, mas o que sei é que ele pôe sentimento em tudo o que faz e isso é o mais importante. Os seus pianíssimos e fortissimos destacam-se, a virtuosidade já se nota desde pequeno.
A orquestra entusiasma-se neste final do 3º andamento. Os dedos de Kissin deslizam, cavalgam, saltitam ao ritmo dos violinos e clarinetes. Briilhante. Aplausos e Bravos estrondosos. Bendita BRAVA HD, que me permite estar numa sala de concertos sem sair de casa.
Instado pelas ovações, Kissin senta-se de novo e toca um Nocturno de Chopin. Lindo.
Como gostaria de ter a minha Mãe aqui junto a mim.Passam por mim névoas de memórias caladas , mas não adormecidas, momentos sublimes em família, ouvindo Chopin, as cortinas da janela estremecendo ao som e vibração do piano, a calmaria das tardes na nossa grande casa, onde se respeitavam estas horas de recolhimento e sossego espiritual.
Perante a insistência do publico entusiasmado, Kissin toca agora a Valsa Brilhante de Chopin.
Ó minha Mãe, vejo-a a si, sentada ao piano, desculpando-se por qualquer falha e pela falta de domínio das teclas insubordinadas...nostalgia da infância, gratidão e emoção, tudo junto. A certeza de que enquanto viver, nunca hei-de esquecer.
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