Mostrar mensagens com a etiqueta escolas. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta escolas. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

O PROFESSOR - a não perder





Ontem fui a Lisboa e não levei nada para ler, esqueci-me, apesar de ter 4 livros na mesa de cabeceira neste momento, todos eles bons. Na Gare do oriente, como sempre, fui á feira do Livro, que é convidativa e colorida no meio do cinzento do betão. Estive uma meia hora a namorar os livros e encontrei este, que vim a ler no comboio e que me entusiasmou tanto que não conseguia parar de ler, apesar dos solavancos do pendular e do enjoo. Há muito tempo que não lia nada tão saboroso, com um sentido de humor ( irlandês) tão inteligente e com um tema para mim mais que apelativo, completamente empático. Já tinha lido o primeiro livro do autor , escrito aos 64 anos - As Cinzas de Angela - de que fizeram um filme excelente.


Este livro é o reverso do primeiro, que ganhou o Prémio Pulitzer e que lançou o autor para a celebridade, narrando a sua infância e adolescência quase traumáticas na Irlanda dos anos 30. Este reporta-se à sua vida uns anos mais tarde, em 1958. Depois de cumprido serviço militar na Alemanha, consegue tirar um curso nos EU e conquistar o lugar com que sempre sonhou: ser professor. Mas a vida e a experiência provam que ser professor não é nada do que ele esperava. Perspicaz, sardónico, sensível e muito comovente.

Vai aqui um aperitivo:

" Irrompem assim pela sala adentro cinco vezes por dia. Cinco turmas, trinta a trinta e cinco alunos em cada turma. Adolescentes? Na Irlanda víamo-los nos filmes americanos, melancólicos, carrancudos, a passearem-se de automóvel e perguntávamos a nós próprios porque estariam melancólicos e carrancudos. Tinham comida, roupa, dinheiro e, mesmo assim, eram maus para os pais. Na Irlanda não havia adolescentes. Andávamos na escola até aos catorze anos. Crescíamos, arranjávamos trabalho, casávamos...alguns anos depois emigrávamos para Inglaterra para trabalhar na construção civil ou para nos alistarmos nos exercitos de Sua Majestade e combater pelo Império."

" Numa sala de aula de um liceu o professor é ao mesmo tempo um sargento instrutor, um rabi, um ombro amigo, um displinador, um cantor, um erudito de baixo nível, um funcionário administrativo, um árbitro, um palhaço, um conselheiro, um controlador de vestimentas, um maestro, um defensor, um filósofo, um colaborador, um dançarino de sapateado, um político, um terapeuta, um louco, um polícia de trânsito, um padre, um pai-mãe-irmão-irmã-tio-tia, um contabilista, um crítico, um psicólogo, o último reduto."

Espectacular.
Leiam e revejam-se se forem professores como eu.

Infelizmente Frank McCourt morreu aos 78 anos e não escreverá mais livros.


O Professor
Colecção: Vidas d´Escritas
Nº na Colecção: 4

Editorial Presença


Sinopse: Neste seu terceiro livro de memórias, Frank McCourt, autor de As Cinzas de Ângela e Esta É a Minha Terra, escreve uma crónica irreverente e vigorosa sobre os trinta anos durante os quais deu aulas em diversos liceus de Nova Iorque. Com o seu característico humor, ressonâncias líricas e honestidade desarmante, McCourt relembra os desafios e as recompensas com que se deparou no ensino público nova-iorquino, criando assim um relato inspirador e comovente sobre as relações humanas e sobre como aquilo que temos para dar e receber pode fazer a diferença na vida de cada um.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Lisboa e a "paisagem"



Sou de Lisboa, nasci mesmo no centro e lá vivi, trabalhei e casei... até Outubro de 1975, ano em que deixei a capital e que considero ter sido uma viragem total na minha vida.

Não fugi por causa do ano quente, mas porque o meu marido tinha sido colocado na Beira Baixa como juiz e era suposto ir com ele se houvesse vaga na Escola Técnica da Sertã, que só leccionava até ao 5º(9) ano e cujos alunos só tinham Inglês no 3º ciclo. Na altura eu estava "colocada" na Figueira da Foz como professora efectiva, apesar de só ter 29 anos; os tempos eram outros.
Até à véspera de fazer a mudança, não sabia qual seria o meu destino e estava angustiada de deixar o meu marido e ir para 200 kms de distãncia, numa altura em que as estradas eram mais que ruins e não havia quaisquer autoestradas a não ser a de Vila Franca de Xira e a de Lisboa a Algés.
Felizmente as coisas compuseram-se com uma ida ao Min. da Educação, onde uma "luminária" descobriu que eu podia ensinar Português na Sertã, dado que tinha licenciatura ( com tese) e a cadeira de Literatura Portuguesa I, II e III , feitas como opção. Não me fizeram nenhum favor, mas fiquei aliviada por terem descoberto a pólvora.



Estive na Sertã dois anos. A vila era constiuida por uma rua grande, onde ficava a "minha" casa e um largo, onde ficava o Tribunal. A Escola, antigo colégio de freiras erguia-se no topo dum monte, com vista para o vale, onde passava uma ribeira e onde se podia admirar uma pontezinha romana, muito bonita e bem conservada.
A Sertã era o faroeste, embora ficasse no coração do país. Não me deram telefone em casa, enquanto lá estive, as comunicações com Lisboa eram nulas - só por carta à antiga -, o frio era tremendo no inverno e o quadro de electricidade vinha abaixo cada vez que se ligava um aquecedor. Não havia água quente na cozinha, era preciso aquecer água para lavar a loiça e fazer os biberons do meu bébé. Tinha de lhe dar banho no meu quarto, pois na casa de banho a temperatura era de 4º no inverno. As roupas penduradas lá fora viravam blocos de gelo no inverno ( sem exagero) e as poças de água no pátio que tinhamos de atravessar para dar as aulas eram espelhos gelados e escorregadios. Usava botas, casaco maxi, calças e mesmo assim tinha frio, habituada ao calor de Lisboa.



No Verão, era o contrário, mas como a casa tinha um pátio virado a Norte, estava-se lá bem. Com 30 anos aguentava tudo, até gostava do cheiro do campo, das faces vermelhas dos meus alunos depois de andarem kms para vir à escola, dos tricots que se faziam na sala de professores, das castanhas assadas em latas furadas na lareira da casa de uma colega. E do meu bébé rosado, a comer pétalas de rosa e a rir descaradamente por saber que era malandrice.
Lembro-me do meu deslumbramento quando me vieram buscar uma vez para ver a neve num lugar chamado Alto do Cavalo, onde os pinheiros - havia milhares por ali - estavam cobertos de um manto branco e a paz era total.

Lisboa estava a milhas de distância e só soube do 25 de Novembro por acaso, pois a TV a preto e branco com um único canal estava a dar o acontecimento em imagens muito distorcidas.

Acho que nunca estive tão só como na Sertã, embora Chaves , onde vivi noutros dois anos ficasse a 500kms de Lisboa. Nesses anos, cresci, vivi e reflecti sobre o nosso país de contrastes.

Pensei nos privilégios que tinha tido na infância e juventude e na imagem tão errada que os meus pais, escola inglesa, liceu e meio envolvente me tinham incutido do país em que se vivia. A minha vida até então não tinha nada a ver com o país, era uma falsidade total, um reino de privilégios, um paraíso colonial, como aqueles que se viam na India, em séries inglesas, como a "Joia da Coroa".

Nunca mais consegui pensar em Lisboa como dantes - a minha cidade, a maravilha luminosa à beira Tejo, os turistas prósperos, o bairro do Restelo cheio de família cristãs com uma mente limitadíssima e numerosos filhos a dar esmolas aos mais necessitados para aliviar a consciência, as missas dos Jerónimos, os pasteis de Belém quentinhos, a Gulbenkian, a vila de Cascais, a Linha, tudo aquilo parecia irreal ao pé do resto do país que acabei por conhecer bem.

Hoje vivo no Porto e a vida mudou, o país também. No entanto, quando oiço os media, leio os jornais ou falo com a minha família, continuo a ver flashbacks do antigamente, a macrocefalia da capital, o sorvedouro de dinheiro que ela absorve em detrimento de outros locais, a importância que se lhe dá na TV, as entrevistas sobre pormenores que não interessam a 3/4 do país, a euforia dos eventos a toda a hora, o enfatuamento e empolamento de questões de lana caprina que se tornam eventos nacionais. Que seca, diriam os jovens. E é.

Estas eleições trouxeram ao de cima muitas destas minhas memórias....e , embora, não queira discutir política aqui, senti-me na obrigação de exprimir o que sinto. Para memória futura.