sábado, 14 de janeiro de 2012

1ª vida

Costuma-se dizer que o gato tem sete foles ou sete vidas.Sobrevive a tudo, quedas, atropelos, pancadaria, maus tratos, etc.

Não é o meu caso...não sofri nada que se pareça, embora tenha tido a minha quota parte de desilusão e dor em vários momentos cruciais da minha vida. Não os posso , nem devo enunciar aqui, pois isto não é um confessionário. Dessas provações renasci sempre e considero que já vivi umas cinco das vidas que o destino tem reservadas para mim.
Dantes as pessoas viviam só uma vida no mesmo local ou, se variavam, voltavam mais tarde às raízes, casavam uma vez e para toda a vida, mesmo que houvesse traições durante o percurso, a mobilidade era menor, a família mais unida na aparência. Isto é o que nós imaginamos, pois sei que muitas famílias não eram standard ou exactamente assim e que havia muitas quezílias, sobretudo quando se tratava de partilhas ou da morte dos membros mais velhos.


Vivi o que considero a minha 1ª vida dos 5 aos 20, a minha infância e adolescência e é delas que hoje falo. Não considero que tenha sido uma infãncia dourada, mas andou por perto e, se não olho para aqueles anos como os mais felizes da minha vida, é porque o meu feitio e personalidade me não deixaram estagnar na doçura da estabilidade e afectos, cedo demais achei que tinha de me rebelar, mesmo que só aparentemente, para não ficar formatada para todo o sempre, como tantas outras meninas bem da minha idade para as quais olhava com terror, desdenhando a sua vacuidade e pouco interesse.Quis sempre mais.

Os meus pais viviam bem, nunca tivémos problemas económicos; na minha casa tínhamos conforto, espaço ( algo inimaginável nos dias de hoje), uma relativa liberdade e muitas obrigações ou valores como queiramos chamar-lhes. Vivíamos com sobriedade numas coisas, como roupas, comida, materiais escolares ou lúdicos ( nunca tive uma bicicleta, por exemplo), mas com excesso noutros campos, que agora não interessa aqui enumerar. A pouco e pouco, no entanto, as mordomias foram escasseando por força das mudanças sociais e fui-me dando conta de que a vida não era o mar de rosas da minha infância, os meus Pais tinham sofrido bastante para chegar até ali e a cada um de nós cabia realizar algo mais.

Fui uma católica fervorosa nos tempos do liceu e empenhei-me em tudo o que me metia, até fiz jornal de escola quando não havia senão stencis e os desenhos tinham de ser marcados na cera para depois se policopiarem. Foi uma época importante na minha vida, em que viver pressupunha militar em qualquer ideal, lutar por alguma coisa, criticar e ser mais interveniente. Nunca fui de esquerdas, embora na
universidade visse bem os podres do salazarismo. Havia profs banidos, havia os instalados. Havia alunos revoltados e algumas manifs. Não entrava nisso, preferia estudar afincadamente, passava horas na biblioteca a ler Shakespeare ou a estudar Linguística, dava explicações de Alemão e ainda trabalhei nos escritórios das motos Honda e num Lar de 3ª idade para estrangeiros. Fiz tese de licenciatura, que mais nenhuma colega quis fazer pois contava que ia ser abolida em breve e, em 1971, comecei a dar aulas e a estagiar no Liceu Pedro Nunes.

Esta foi a primeira das minhas vidas, sempre em Lisboa, com idas esporádicas a Inglaterra, França e Alemanha e Áustria à minha custa para aperfeiçoar as Línguas e tomar conta de crianças. Numa viagem à Suécia com estudantes do Técnico e de Coimbra conheci o meu futuro marido e a minha 2ª vida começou.

Hoje sonhei com a minha casa de infância, com os meus Pais e irmãos. Parecia um filme...a casa era linda, o jardim imenso.
Foi lá que aprendi a amar a Natureza, as árvores, as estações do ano, o cheiro da relva cortada, as flores. Por isso tudo agradeço hoje e com nostalgia aos meus Pais.