Considero-me uma pessoa muito privilegiada.
Sempre achei que, para além duma infância e adolescência despreocupadas e repletas de benesses que não eram permitidas a todos, a minha vida profissional também foi extremamente rica, com momentos difíceis e alguns mesmo insuportáveis, mas também com horas de trabalho entusiástico com alunos , colegas e estagiários de quem fiquei amiga para sempre e, last but not least, o reconhecimento público dos manuais escolares, que comecei a fazer em 1982, vai fazer trinta anos em breve.Campo Alegre é um nome lindíssimo, é bom viver num local com um nome assim. Cada vez mais.
Ali estive meia hora, a ouvir os passarinhos a chilrear desalmadamente em uníssono (?) com o background ruidoso da VCI, as nuvens passavam suavemente lá em cima, nada me perturbava, as vozes diluíam-se aqui e ali, o odor intenso da glicínea e das rosas inebriavam-me. Se tivesse morrido naquele instante, teria sido trágico para outros, mas o melhor que se pode desejar em vida.
Aprendi a valorizar a minha vida muito mais desde que a minha filha adoeceu em 2005. A partir daí senti sempre que era essencial eu viver, estar aqui, estar lá, existir. Nunca tinha olhado para mim por esse prisma e nunca fui daquelas pessoas que desejam viver eternamente e que se acham indispensáveis.
Mas agora, acho que a minha vida vale mais, sou mais necessária aos outros que a mim mesma e sinto-me com mais ânsia de viver.
As nuvens adensam-se lá fora, mas o sol continua a brilhar nas copas das árvores gloriosas e cheias de folhas novas. Daqui a nada chega o meu neto da sua aula de violino e mais tarde o meu filho mais novo para ver o futebol aqui e jantar comigo.
A vida, felizmente, ainda não acabou.
Gloria in Excelsis Deo!